quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Lua Adversa


TENHO FASES, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.


Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.


E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...


CECÍLIA MEIRELES

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

E serei livre!




...
...
E serei livre!
Lavada de sonhos
pintalgada pelas luzes azuis dos vaga-lumes,
envolta em nebulosas:
rutilantes gotas dos orvalhos das manhãs!
Acabarei nua, -
numa longa gargalhada
de arrepio cortando a pele estremecida,
as mãos balançando gestos sem sentido,
a boca, esboçando articulações sem
[significado!
Dirão que fiquei louca
e tentarão cobrir minha vergonha
com a malícia dos tecidos!
Recitarão versículos bíblicos
e eu sem pudor
continuarei rindo,
porque não terei pecado
descoberta de tudo,
livre de tudo,
descentralizada
alguém sem os outros!
Sem nada no peito,
sem nada na Mente,
sem guerra no pensamento,
sem fogo no sangue,
sem sexo!
Nua! - Uma coisa indiscutível,
sem intenção, sem vontade
apenas estacionada
na verdade sem complexo!
Fugindo da vida -
essa desgraça que traz gastos
desde a conta da Maternidade!
Vive-se em dívidas!
Todos tem seu juro em cobrança!
Não adianta lubridiar a Cronometria,
na escapa do dia-após-dia,
passa a vez de ser criança,
chega a velhice,
o Tempo com a sua mão agiota
tudo arrepanha!
A Vida que se ganhou é um Esporte!
É uma barganha que a gente paga com a
[Morte!
Nunca serei livre!

***
Cassandra Rios, 1932 - 2002

COGUMELOS



Varando a noite, com
Brandura, brancura,
Silêncio absoluto,
Do artelho aos
narizes
Tomamos posse da
argila
E do ar adquirido.
Ninguém nos avista,
Nos detém, nos
agride;
Evadem-se os
grãozinhos.
Punhos suaves
insistem
Em brandir agulhas,
O recheio folhudo,
Até o calçamento.
Nossos martelos,
marretas,
Sem olhos e ouvidos,
De voz nem um fio
Alargam as gretas,
Ombro abrindo
fendas. Nós
Vivemos a pão e água,
Migalhas de sombra,
Com modos afáveis,
Inquirindo pouco ou
nada.
São tantos de nós!
São tantos de nós!
Somos estantes,
somos
Mesas, somos
humildes,
Somos comestíveis,
Aos trancos e
arranques
Apesar de nós
mesmos
Nossa espécie se
expande:
Pela manhã, havemos
De herdar o planeta.
E nosso pé porta
adentro.

Sylvia Plath, 1932-1963

sábado, 8 de novembro de 2008

O Amor


O amor, esse ser invencível, doce e sublime
que desata os membros, de novo me socorre.
Ele agita meu espírito como a avalanche
sacode monte abaixo as encostas. Lutar
contra o amor é impossível, pois como uma
criança faz ao ver sua mãe, vôo para ele.
Minha alma está dividida: algo a detém aqui,
mas algo diz a ela para no amor viver...

Safo, poetisa nascida em Mitilene, na ilha de Lesbos, provavelmente por volta de meados do século VII a.C

UM PEIXE


Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.

Patricia Rehder Galvão - PAGU

La Femme Rompue


Simone de Beauvoir 1950

Aflição de ser eu e não ser outra


"Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra."

Hilda Hilst, 1930 - 2004